... e são tantas as horas da minha ausência...
Olhava
para as mãos... por vezes desviava o olhar... mas voltava a olhar para
as mãos... A pele enrugada e palmas macias como se de seda se tratasse.
Mãos vividas, mãos que passaram pelas imperfeições da vida... Sentada na
velha sala olha o silêncio, brinca distraidamente com as vestes, já
gastas pelas horas... Passa os dias sentada entre a escura sala, e a
varanda onde diz ver o mundo... olha a horta onde durante anos cultivou,
trabalhando de sol a sol... hoje estão cobertos de ervas... as pernas
já fracas ainda vão caminhando como as suas memórias... tão frágil, mas
com um olhar firme e doce de quem já viu muita coisa... como a pele das
suas mãos... Naquele veio-lhe um sorriso aos lábios quando ouviu a minha
voz a entrar pela porta... depois de um abraço forte, sentei-me ao seu
lado... enquanto as palavras lhe saiam com sabedoria; olhava-lhe para as
mãos, sempre a ajeitar a saia, e a acariciar a minha mão... contou-me
as histórias daqueles que a foram deixando, histórias de antigamente...
senti que lhe fazia bem, rever a sua vida, o tempo dos seus pais... o
tempo do meu avô...
Após
uma tarde a sentir a sua energia, e a ouvir todo o seu saber, vim
embora, e ela ficou lá, sentada, com uma mão a acariciar a outra...
- "até amanhã, vai com Deus..."
...
Hoje
é tudo diferente... vive num eterno compasso de espera, mas sempre
agarrada ao amor incondicional que tem pela vida. As palavras são-lhe
raras e as pernas já não suportam a passagem do tempo. Hoje os dias
tornaram-se iguais... Hoje quando me venho embora, já não oiço: "até
amanhã, vai com Deus..." pelo contrário, fica sempre um olhar vazio a
pedir para que fique mais um pouco... e são tantas as horas da minha
ausência...
e amanhã é uma incógnita...
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